Locação de curtíssima temporada em condomínio

O surgimento de plataformas virtuais de compartilhamento de imóveis trouxe novas problemáticas aos condomínios em edificações. O assunto tem gerado polêmicas, a começar pela sua natureza: locação ou hospedagem? Vamos entender um pouco cada um desses contratos.

Locação é definido no Código Civil como cessão pelo uso e gozo, mediante remuneração, podendo o objeto da locação estar com pertenças (mobiliado, no caso de imóvel) (1) ou não. A Lei 8.245/91 que dispõe acerca da locação de imóvel prevê a modalidade de locação por temporada (2) quando a locação do imóvel se dá por período inferior a noventa dias.

Já o contrato de hospedagem tem como dinâmica (i) o alojamento temporário, (ii) a frequência individual, (iii) os serviços e (iv) cobrança de diária (3) . Por serviço não se entende aquele à disposição de todos, existente em muitos condomínios (4), mas sim aquele prestado individualmente ao ocupante. Portanto, o que se observa de grande diferencial entre os dois negócios jurídicos é a individualização do serviço prestado.

Desta forma, dependendo da dinâmica adotada no contrato de curtíssima temporada por aplicativo, estaremos mais próximos ou da locação ou da hospedagem, sendo certo que estamos diante de um novo tipo contratual. Cabe ao operador do Direito, quando da análise de novas relações sociais, não tentar forçar as novas situações a tipos contratuais antigos, que não se prestam a regular corretamente a situação. A tecnologia nos desafia constantemente a este exercício.

Mesmo que se considere contrato de aluguel, a locação por diárias, utilizando-se de plataformas digitais, como o Airbnb, apresenta configuração diferente da locação por temporada prevista na Lei de Locações acima mencionada.

Havendo serviço individualizado (café da manhã, arrumação, limpeza, consertos etc.), a relação estabelecida se assemelhará ao contrato de hospedagem – próprio da rede hoteleira –, mas com ele não se confundindo.

Seja locação ou hospedagem, essa relação tem gerado diversos problemas, principalmente na seara condominial, cujas controvérsias vêm sendo decididas pelos Tribunais de todo o país.

Tem-se que diante da alta rotatividade de pessoas, é necessário ter um maior controle de acesso, de modo a conferir segurança aos demais moradores. Ocorre que nem todo condomínio é capaz de suportar as despesas para a contratação de uma estrutura de controle e segurança.

Além disso, por se tratar de um constante rodízio de locatários/hóspedes, muitas vezes sem saber do perfil e histórico pessoal de cada um, muitos moradores acabam sendo prejudicados, por exemplo, por realização de eventuais festas, algazarras e desrespeito aos bons costumes, atrapalhando o sossego e a saúde dos demais condôminos, infringindo regra do Art. 1.336, IV, do Código Civil.

C.C. Art. 1.336, IV – São deveres do condômino: dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

Na ponderação de valores fundamentais, o que prevalece nesse caso: faculdade do direito de propriedade (fruição) (5) e a livre iniciativa (6), que têm conotação individual, ou o direito à saúde, segurança e sossego, com um viés mais coletivo? Essa análise deve ser feita de acordo com a especificidade de cada caso concreto.

Nessa seara, com base na proteção desses três pilares, o Desembargador Juarez Fernandes Folhes, da 14ª Câmara Cível do TJRJ, considerou válida a decisão da assembleia de condomínio que limitou a locação por temporada de imóveis ao prazo mínimo de trinta dias, bem como habitação máxima de seis pessoas por unidade. Vejamos a fundamentação:

É lícito ao proprietário emprestar a sua unidade, ocupá-la pelo número de pessoas que julgar conveniente, seja a título gratuito ou oneroso, não cabendo ao condomínio regular esta prática, salvo se a mesma estiver interferindo na rotina do prédio, ou seja, causando perturbação ao sossego e segurança ou estiver desviando a finalidade do prédio. No caso, a autora confessa que o apartamento foi alugado 22 vezes no ano. Portanto, restou reconhecido que utiliza sua unidade como se fosse um hotel de alta rotatividade de pessoas, o que por certo, em razão da grande quantidade de pessoas estranhas no condomínio, causa insegurança aos demais condôminos (…). O abalo ao sossego e segurança restou comprovado no relato prestado pelo condomínio, através de sua síndica, no termo circunstanciado da 13ª Delegacia de Polícia, que ocasionou em trâmite perante o 4º Juizado Especial Criminal do Leblon (…). A locação por diária, que vem ocorrendo por meio de sites especializados, vem representando efetivamente uma concorrência aos apart-hotéis, flats e similares, e, por isso, desvia a finalidade do edifício residencial, trazendo inclusive encargos extra à portaria, principalmente quanto à segurança.

(TJRJ – 0486825-49.2015.8.19.0001 – 16.07.17)

O Ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, quando do voto no julgamento do REsp 1.819.075/RS, que encontra-se suspenso por pedido de vista, assim se manifestou:

A atividade não é caracterizada como comercial e, na ausência de lei que limita tal comportamento, não pode o condômino ser proibido de locar imóvel ou parte dele por curto período. [Acrescentou ainda que] é ilícita a prática de privar o condômino do regular exercício de direito de propriedade em sua vertente de exploração econômica. O uso regular da propriedade em inseparável análise da função social permite concluir pela possibilidade de exploração econômica do imóvel. [Diante da controvérsia instaurada, assentou que] o eixo principal é a defesa do direito de propriedade, desde que respeitadas as regras do condomínio, o sossego e a saúde dos demais condôminos.

Nota-se do referido voto a dificuldade de classificar essa atividade, que, conforme o magistrado, afastou a atividade comercial, mas não conseguiu colocá-la como atividade de locação. Bem ponderou que a ausência de regulamentação específica dessa nova modalidade gera problemas aos julgadores.

Destaca-se, finalmente, a existência do recente Projeto de Lei 2474/2019, de relatoria do Senador Ângelo Coronel (PSD-BA), cujo objetivo é regulamentar a locação de imóveis residenciais por temporada, feita através de aplicativos. A principal regulamentação é a de somente permitir a prática dessa atividade em condomínios edilícios se houver consentimento de 2/3 dos condôminos, por assembleia ou na convenção.

Conclui-se, portanto, que o direito deve acompanhar os avanços tecnológicos, sob pena de se tornar ineficaz. Vale ressaltar a necessidade de regulamentação para a prática dessa atividade, de modo a conferir segurança jurídica a todas as partes, inclusive terceiros.

Enquanto a questão não é definida pelos Tribunais Superiores, entendemos que os condomínios têm o direito de se autorregulamentar por meio da convenção para evitar abusos, resguardar direitos dos condôminos e fornecer ao síndico ferramentas para administração do condomínio.

Por fim, importante ressaltar que a questão deve ser debatida em assembleia para resolver problemas pontuais – por exemplo, a proibição de uma determinada unidade que cause incômodo aos demais pela alta rotatividade. Nestas hipóteses, deverá o síndico, se tiver poderes na convenção, multar a unidade infratora. Caso não haja essa previsão, só poderá multar com autorização da assembleia, com quórum qualificado de 2/3 dos condôminos (CC, Art. 1.336 §2º) (7).

Dessa forma, a convenção de condomínio é o instrumento hábil para regulamentar tal atividade em condomínios edilícios, seja proibindo ou permitindo, ou mesmo determinar a forma de permissão, cujo quórum para a inclusão da referida norma regulamentadora é de 2/3 dos condôminos.

 

Artigo escrito por Ioná Cytrynbaum, Luis Arechavala e Francisco Egito.