Categoria: Direito do Consumidor

Uber, taxi e mobilidade urbana

A UBER é uma empresa de caráter privado que presta serviço de transporte remunerado individual através de aplicativo de celular. Esta tecnologia está presente em diversas cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba.

Taxistas ao redor do mundo se lançaram em campanha contra a existência e o uso desta plataforma. Eles acreditam que se trata de profissão pirata, vez que ainda está pendente de regulamentação pelo Poder Público de várias localidades. Também aduzem que é concorrência desleal, pois que os motoristas da UBER fazem jus a facilidades que não são extensíveis aos taxistas.

Em que pese tais entendimentos serem compartilhados por parte da população, no dia 5 de abril de 2016, a juíza Ana Cecília Argueso Gomes de Almeida, da 6ª Vara de Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro, tornou definitiva, em parte, a liminar que garante aos motoristas credenciados ao aplicativo o direito de praticar o ofício de transporte remunerado individual de passageiros, até que esta profissão seja regulamentada pelo Estado. Assim, o Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro e a Secretaria Municipal de Transporte do Rio de Janeiro estão impedidos de aplicar multas ou praticar qualquer ato que restrinja ou impossibilite o exercício desta atividade.

A juíza entende que há diferença entre o serviço prestado pelo taxi e pelo Uber. Ela sublinha que “a diferença entre as duas modalidades é que o transporte público individual é aberto ao público. Em outros termos, qualquer cidadão pode pegar um taxi na rua, o que não acontece com o Uber, que depende exclusivamente da plataforma tecnológica. Cabe aqui um apontamento: existem várias cooperativas e prestadores de serviço de taxi que se beneficiam da mesma tecnologia para angariar consumidores (…) A diferença para o UBER, como apontado, é que os taxis também dispõem da alternativa de conquistarem os consumidores nas ruas; daí ser aberto ao público.”(Mandado de Segurança nº 040658573.2015.819.0001)

A sentença destaca, ainda, que a Lei de Mobilidade Urbana (Lei n.º 12.587/12) prevê a convivência entre regime público e privado de transporte de passageiros. Trata-se do fenômeno da concorrência assimétrica, que pode ser constatada em diversos outros setores, como o de telecomunicação e energia.

Superendividamento

A cultura do consumo é fruto da sociedade pós-moderna[1], nela estão inseridas um conjunto de questões que incluem a íntima relação entre consumo, estilo de vida, reprodução social, identidade, autonomia da esfera cultural, “estetização” e “comoditização” da realidade[2]. Também estão inseridos atributos negativos em sua essência, como a perda de autenticidade das relações sociais, o materialismo, a superficialidade e o imediatismo. A mistura desses fatores marca a sociedade atual.

O combustível do consumo é o crédito, peça de dinamização da produção capitalista, que pressupõe movimento contínuo, lançando para o futuro perspectivas incessantes de crescimento e desenvolvimento.

Em contrapartida, a banalização do consumo, transforma-se em um fator de endividamento, visto que a obtenção de crédito, muitas vezes, é desmedida e sem a devida análise da capacidade dos contratantes.

Neste aspecto, o fenômeno tratado é uma das faces da democratização do crédito[3], por estar diretamente ligado à história do crédito ao consumidor.

Precursor nos estudos comparados sobre superendividamento, Geraldo de Faria Martins da Costa expõe que:

 

Na economia do endividamento, tudo se articula com o crédito. O crescimento econômico é condicionado por ele. O endividamento dos lares funciona como meio de financiar a atividade econômica. Segundo a cultura do endividamento, viver de crédito é um bom hábito de vida. Maneira de ascensão ao nível de vida e conforto do mundo contemporâneo, o crédito não é um favor, mas um direito fácil. Direito fácil, mas perigoso. O consumidor endividado é uma engrenagem essencial, mas frágil da economia fundada sobre o crédito[4].

 

Até há pouco tempo no Brasil as pessoas (físicas) não tinham grande acesso ao mercado formal de crédito, em que empréstimos voltados ao consumo eram vistos com desconfiança, e as taxas de juros em nada favoreciam estas ‘tomadas’, de modo que as pessoas pegavam dinheiro emprestado de instituições financeiras mais para a aquisição de moradia ou como maneira extrema para conseguir quitar as despesas médicas ou educacionais não subsidiadas pelo ente público.

Portanto, o superendividamento é relativamente recente no país. Fato oposto se mostra nos países com economias mais aprimoradas, onde já existem meios legais, em especial na Europa, que buscam reequilibrar o setor produtivo mediante a reinserção no mercado de um consumidor recuperado financeiramente, com a utilização de diversas medidas para prevenir e/ou tratar da situação, a citar: a imposição do dever de informação preventiva, verificação da capacidade de reembolso pelo consumidor, criação de programas de educação para o crédito, viabilização de seguros, limitação da taxa de juros, dentre outras.

 

DEFINIÇÃO

 

De uma maneira geral, pode-se constatar o superendividamento pela impossibilidade do devedor, pessoa física de boa-fé, quitar todas as suas dívidas[5], atuais e futuras, com o seu patrimônio e rendimento, sem que para isto não prejudique a sua subsistência e de sua família.

A jurisprudência nacional utiliza-se, principalmente, de princípios (positivados) para articular o superendividamente à proteção do consumidor endividado, em especial, o princípio da dignidade humana:

 

APELAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTRATO BANCÁRIO. DÍVIDA DE EMPRESTIMOS SUCESSIVOS. RETENÇÃO DO SALÁRIO EM PERCENTUAL SUPERIOR A 30%. SUPERENDIVIDAMENTO. OFENSA À DIGNIDADE HUMANA. 1- O débito não foi negado ao longo do processo pela parte Autora da ação, apenas se insurgindo quanto ao modo pela qual está sendo feita à cobrança. 2- Apesar de existir débito, não pode a instituição financeira, se valer do salário do devedor, que lhe é confiado, para além do limite de 30%. 3- Ninguém pode ser privado da integralidade do seu salário, pois isto inviabiliza a aquisição do mínimo necessário para a subsistência do ser humano, considerando ser esta a sua única fonte de renda. 4- Percebe-se o incentivo ao superendividamento, ao fracasso financeiro dos clientes menos esclarecidos, visando o aumento do lucro. Dignidade da pessoa humana que deve ser respeitada. 5- Possibilidade de retenção de parte do valor em conta-corrente, desde que limitada a 30% do salário recebido pelo devedor. Limite que se aplica mesmo quando há diversas instituições mutuantes. Incidência da súmula nº 200 e 295 do TJERJ. 6- DESPROVIMENTO DOS RECURSOS, NOS TERMOS DO ART. 932, IV, A, DO NCPC/2015. 0057083-15.2013.8.19.0001 – APELACAO 1ª Ementa DES. TERESA ANDRADE – Julgamento: 11/07/2016 – SEXTA CAMARA CIVEL[6].

 

Outro ponto que pode ser observado é que não há uma quantia certa que defina o débito a partir do qual se pode considerar o devedor como superendividado. A maneira mais fiel seria a partir da análise entre o ativo e passivo do indivíduo e sua família, atendendo as particularidades de caso a caso. Entretanto, devido a inviabilidade de tal medida, para a fundamentação das decisões, utiliza-se como parâmetro a retenção/desconto de, no máximo, 30% (trinta por cento) dos rendimentos do indivíduo, salvo exceções[7], cujo embasamento legal encontra-se no art. 2º, §2º, I da Lei 10.820/2003, que prevê:

 

No momento da contratação da operação, a autorização para a efetivação dos descontos permitidos nesta Lei observará, para cada mutuário, os seguintes limites:

I – a soma dos descontos referidos no art. 1o desta Lei não poderá exceder a trinta por cento da remuneração disponível, conforme definida em regulamento.

 

 

Por fim, vale destacar que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 283/2012, que visa alterar o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor, definir conceitos e dispor sobre a prevenção do superendividamento. Para maiores informações, pode-se acompanhar o projeto através do sítio eletrônico: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106773.

 

[1] BAUMAN, Zygmunt. Vida para o Consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 23-24.

[2] BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Ed Zahar. 2014, p. 10.

[3] SCHMIDT NETO, André Perin. Revisão dos Contratos com base no Superendividamento: do Código de Defesa do Consumido ao Código Civil. São Paulo: Juruá, 2009, p. 256.

[4] COSTA, 2006, p. 231.

[5] Excluídas certas dívidas, por exemplo, a do fisco, oriundas de delitos e de alimentos. (MARQUES, Cláudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALAZZI, Rosângela Lunardelli (coord.). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: RT, 2006, p. 260).

[6] http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/31308/superendividamento-3.pdf?=10

[7] Lei nº 279, DE 26 DE NOVEMBRO DE 1979, do Estado do Rio de Janeiro, que permite desconto de até 70% (setenta por cento) para aluguel ou aquisição de residência para policiais e bombeiros militares.

Atrasos e Cancelamentos de Voos

Lamentavelmente, atrasos e cancelamentos de voos são rotinas. Preocupada em padronizar a forma de tratamento das companhias aéreas aos viajantes, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) editou diversas Resoluções sobre o tema, sendo a mais relevante a de nº 141/2010, a saber.

Em havendo cancelamento ou atraso, deverá informar os motivos, e previsão de decolagem. Superando em uma hora de atraso ou cancelamento, além do direito ao endosso e reembolso da passagem, a empresa deve fornecer ao passageiro comunicação via telefone ou internet. Após 2 horas, os passageiros terão direito a alimentação; passadas 4 horas, a empresa deverá reacomodar em outro voo, ou oferecer hospedagem.

O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento, que se aplica o Código de Defesa do Consumidor nas relações entre passageiro e companhia aérea, em detrimento da Convenção de Varsóvia, (com suas posteriores modificações Convenção de Haia e Convenção de Montreal), e do Código Brasileiro de Aeronáutica – para quantificações de indenizações.

Vale ressaltar que o tratamento acima especificado não exime a transportadora de arcar com prejuízos morais e materiais; podendo ser elevado o dano moral, caso o passageiro tenha perdido algum compromisso importante:

“a questão apresentada foi muito além do aborrecimento cotidiano considerado atraso de 3 horas no embarque, frustrando o comparecimento do autor à comemoração familiar. É inquestionável a sensação de revolta ante o problema ocorrido, frustração ante o que se esperava da viagem e o indesejado atraso, impotência diante da empresa e seu desrespeito ao passageiro, frustrado no seu desejo de viajar em data e hora marcados, configurando assim o dano de natureza moral que deve ser indenizado.” (0055477-44.2012.8.19.0014 – APELACAO DES. MARCOS ALCINO A TORRES – Julgamento: 14/04/2015 – VIGESIMA SETIMA CAMARA CIVEL CONSUMIDOR

Relação de consumo digital

O avanço tecnológico, a praticidade e a crise fomentaram muito a expansão do comércio eletrônico. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) se aplica tanto às compras realizadas em lojas físicas, quanto virtuais.

A empresa fornecedora de produtos ou serviços na internet é responsável por irregularidades ocorridas na relação com o consumidor: envio de produtos avariados, fraudes em suas plataformas (exemplos, e-mails falsos com cobranças indevidas ou com confirmações de pagamentos inexistentes), e também descontos indevidos em contas bancárias, a saber:

“O fato do banco disponibilizar acesso remoto através de internet para seus correntistas não o exime do dever de cuidado dos valores que são confiados, sendo responsável pelas operações realizadas desta forma. Correta a sentença que reconheceu a inexistência dos valores indevidamente descontados e fixou indenização por dano moral” (Pr. 0045692-81.2014.8.19.0210, TJRJ, Des. Ricardo Alberto Pereira, j. 08/10/2015 )

O art. 49 do CDC garante ao consumidor o direito de arrependimento nas compras efetuadas on-line, por telefone ou a domicílio – pelo período de sete dias – sem necessidade de justificativa. Basta devolver.

O site de compras não está autorizado a repassar os dados cadastrais do consumidor para terceiros, ainda que esteja previsto no contrato. De acordo com a Portaria n° 5, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, é abusiva toda cláusula contratual que imponha ao consumidor a obrigação de manifestar-se a favor da transferência de seus dados e informações pessoais a terceiros.