Categoria: Direito Imobiliário

A Garagem nos condomínios e o Direito dos idosos

A forma de utilização da “área para abrigo de veículo[1]” é aquela ordinariamente prevista na convenção de condomínio, regimento interno e decisões das assembleias. Todavia, tratando-se de vaga de idoso, é imperioso que se observe a determinação do art. 41 do Estatuto do Idoso (L. 10.741/03[2]), segundo o qual devem ser reservadas vagas de estacionamento públicos e privados para as pessoas maiores de 60 (sessenta) anos e posicionadas de forma a lhes garantir a melhor comodidade.

No cenário condominial isso significa que a garagem do idoso (seja ele condômino, locatário, comodatário etc.) deve estar situada de forma a assegurar maior facilidade de locomoção – próximo ao elevador de sua unidade, perto de rampa de acesso ou outros benefícios.

Assim, caso a convenção ou o regimento interno não contenham regras favoráveis ao direito do idoso, aplicar-se-á prioritariamente o Estatuto, concedendo-lhe o benefício legal.

Não poderia ser de outra forma, considerando que a normativa interna condominial é, obviamente, de hierarquia inferior às leis[3]. Assim não fosse, seria o condomínio considerado um país apartado, com leis próprias, ou, como fala o garboso advogado sergipano Alexandre Sobral, uma espécie de embaixada, cujos agentes diplomáticos gozam de imunidades não podendo serem presos ou processados no Brasil[4]. Terra de Marlboro, como falamos aqui no RJ.

Esses direitos são inerentes ao processo natural de envelhecimento, que torna os idosos vulneráveis e carecedores de uma tutela especial, a fim de preservar a igualdade constitucional, valendo aqui refrescar a memória que o princípio da igualdade pressupõe tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

O Estatuto, ainda, cria uma prioridade especial para as pessoas maiores de 80 (oitenta) anos, atendendo suas necessidades preferencialmente em relação às demais pessoas idosas (art. 3º, §2º, L. 10.741/03).

Portanto, naqueles prédios em que a garagem é de livre utilização, a lei atua garantindo à pessoa idosa a possiblidade de se servir das vagas que permitam uma melhor mobilidade, cabendo ao condomínio garantir essa aplicabilidade, sob pena de responsabilidade (art. 5º L. 10.741/03).

Em caso de sorteios, esse critério deve ser dividido em dois: (i) vagas de melhor acessibilidade sorteadas exclusivamente a serem sorteadas aos idosos (privilegiando, outrossim, aqueles acima de 80 anos) e (ii) as demais, para os outros.

Importante ressaltar dois pontos, onde a lei não atua: (i) não cria direito de utilizar a vaga onde a pessoa idosa não tem; (ii) não modifica em nada as vagas onde a utilização já é definida na aquisição da propriedade e tem sua demarcação na matrícula do imóvel.

Antes de nos despedir, vale lembrar que os romanos já diziam que o condomínio é a mãe de todas as rixas[1], portanto, você, síndico, não se sinta um desgraçado por defrontar tantas batalhas; entenda que sua função é exercida em um campo minado, onde a cada metro esconde-se o direito (ou vaidade) de alguém e o gestor deve estar preparado para lidar diariamente com isso, com profissionalismo, assessoria especializada, ciente da importância de sua atuação e de sua responsabilidade.

 

[1] O Código Civil não utiliza a expressão vaga de garagem, apenas se refere ao local como área para abrigo de veículos. Assim o faz nos arts. 1.331, §1º e 1.338. Vale mencionar que, segundo dicionário, garagem, por si só, já significa “Lugar usado para guardar qualquer tipo de automóvel” (https://www.dicio.com.br/garagem/)

[2] Essa lei atende a um comando constitucional expresso no art. 230 CF, que diz: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

[3] Curiosamente ainda encontramos muitos posicionamentos, inclusive jurisprudenciais, que determinada lei não se aplicaria aos condomínios por não se tratar de via pública. Se essa afirmação fosse verdadeira, por exemplo, bastaria a assembleia decidir ou a convenção prever que o condomínio não precisaria anotar a carteira de trabalho dos funcionários e nenhuma responsabilidade teriam sobre as verbas trabalhistas.

[4] Os privilégios e imunidades diplomáticos e consulares estão previstos, respectivamente, na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 e na Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963.

[5] mater rixarum

Escrito por Luis Arechavala e Marcia Lindsay Cabral Gomes

Para a Revista Síndicas de Sergipe

‘Bons costumes’ nos condomínios. O que significa?

Preceitua o art. 1.336, inciso IV, do Código Civil, que é dever dos condôminos respeitar os bons costumes. Mas o que se considera ‘bons costumes’? Ou seja, o legislador colocou bons costumes como uma limitação de comportamento dentro dos condomínios.

Costume é hábito, rotina. Essas práticas, quando reiteradas, viram costume. Contudo, bons costumes, no sentido jurídico, não é o que é moralmente aceito pela sociedade.

A professora Thamis Dalsenter Viveiros de Castro ensina que ofensa a padrões sociais e costumes tradicionalmente observados em determinadas sociedades, não são, por si só, reprováveis do ponto de vista jurídico. Não se pode limitar a conduta humana com base em valores de determinados grupos sociais se estes não encontram restrição constitucional[1].

Na seara condominial, a diferença entre os bons costumes sociais e jurídicos é muito rica e deve ser analisado com cautela para evitar censuras legais equivocadas. Vejamos alguns exemplos.

Em um edifício comercial, uma garota de programa que atua com discrição e recebe seus clientes com identificação na portaria (sem comprometer a segurança), da mesma forma que faz um dentista, um advogado ou qualquer outro ocupante, por mais que possa atentar aos bons costumes sociais, não revela qualquer ilícito jurídico – não podendo ter sua atividade restrita com base nos bons costumes[2].

Uma entidade religiosa, aceita socialmente, pode ser proibida de exercer suas atividades se seus seguidores resolverem fazer uma campanha de conversão com os demais moradores e empregados do edifício.

O condômino adimplente que impede o regular prosseguimento de uma assembleia por monopolizar a palavra ou promover debates inúteis e/ou intermináveis, incorre em uso abusivo da palavra (art. 187 do Código Civil) e, portanto, fere aos bons costumes, ainda que seja educado em suas colocações.

Nesse sentido, só se pode interferir na liberdade de agir de alguém, com base nos bons costumes, quando o seu exercício atingir na esfera jurídica de outra pessoa – sejam moradores, empregados, terceirizados, entregadores, visitantes e demais – não podendo conceitos morais restringir direitos garantidos pela Constituição Federal.

[1] In Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, vol. XIV, n. 4, pp. 99-125, out./dez. 2017.

[2] Vale lembrar que a prostituição não é crime.

Escrito por Luis Arechavala
Para a Revista Condomeeting | Edição 29.

Venda de imóvel entre ascendente e descendente

Venda de imóvel entre ascendente e descendente

Um proprietário pode vender todo seu patrimônio sem qualquer restrição, contudo, quando a mesma operação é feita para uma filha ou seu pai, por exemplo, a legislação considera anulável, salvo se tiver o consentimento dos outros descendentes (art. 496 CC).

Essa regra objetiva proteger os demais descendentes de uma antecipação de herança indevida, onde o proprietário poderia destinar maior parte (ou a totalidade) do patrimônio para um herdeiro, em detrimento de outro.

Infelizmente é muito comum os desentendimentos familiares que acabam causando rachas nos relacionamentos parentais, resultando, por exemplo, em predileção de um filho em relação aos demais no planejamento familiar.

Essa lógica pode ser inversa e o filho privilegiar um ascendente em desvantagem do outro, sempre lembrando que os ascendentes (pai, mãe, avós) também são herdeiros (art. 1.829, II, CC).

Na compra e venda, apesar da lei referir-se apenas a transferência de ascendente para descendente (art. 496 CC), o parágrafo único menciona em “ambos os casos”, dando a entender que teria mais um caso de anulabilidade. O Conselho da Justiça Federal editou enunciado com interpretação extensiva, abarcando a anulabilidade também na hipótese de venda de descendente para ascendente; é o Enunciado 177, CJF: Por erro de tramitação, que retirou a segunda hipótese de anulação de venda entre parentes (venda de descendente para ascendente), deve ser desconsiderada a expressão “em ambos os casos”, no parágrafo único do art. 496.

Mas, e se os demais filhos se recusarem ou não puderem consentir com a venda, o que fazer? Os interessados podem ir em juízo pedir o suprimento judicial, quando o juiz supre a assinatura da parte, como no precedente abaixo:

ALVARÁ JUDICIAL. VENDA ASCENDENTES. DESCENDENTES. OUTORGA UXÓRIA. INTERDITADA. SUPRIMENTO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. 1. Admissível o suprimento judicial da outorga da mulher, incapaz para anuir, quando ausente prejuízo patrimonial para a mesma. (TJES, processo 57040002362, Rel. Des. Samuel Meira Brasil Junior, publ.: 12/09/2007)

O mestre Marco Aurélio Bezerra de Mello traz um exemplo didático:

É possível imaginar situação na qual a venda ao descendente permitirá angariar recursos para o tratamento médico custoso de outro descendente de um segundo casamento e um dos irmãos unilaterais se coloque desfavorável à venda a outro irmão sem que se apresente motivo justificador. Parece-nos que nesse caso hipotético a autorização judicial para a venda deve ser outorgada em favor dos interessados[1].

Como dito o objetivo é resguardar os herdeiros, evitando burla com a parte disponível do patrimônio com um eventual transpasse para um herdeiro em prejuízo de outro. Ocorre que essa trampa pode se dar por intermédio de outra pessoa, por exemplo, o namorado de um filho, uma nora, etc. Nesses casos aplicar-se-á a nulidade por simulação, uma vez que o contrato foi utilizado para aparentar a transferência do imóvel para uma pessoa diversa da que realmente se transfere (art. 167, §1º, I, CC).

 

[1] Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência, Ed. Forense, livro digital, p. 297.

 

Escrito por Luis Arechavala
Advogado do Escritório Arechavala Advogados

condomino antissocial

Condômino Antissocial: Breve análise do art. 1.337 do Código Civil

O art. 1.337 CC traz duas figuras que não cumprem as regras condominiais: o condômino faltoso contumaz (art. 1.337, caput, CC) e o condômino antissocial (art. 1.337, § único, CC).

São justamente dessas pessoas que se refere João Batista Lopes, quando diz que

“o ingresso do condômino no edifício de apartamentos não depende de prévia seleção, não exigindo a lei a observância de quaisquer formalidades ou requisitos particulares.

Em decorrência disso, vê-se o condomínio invadido por pessoas de comportamento censurável, quando não insuportável, cuja presença no edifício constitui sério entrave à tranquilidade da coletividade de condôminos[1]”.

O faltoso contumaz é aquele “que não cumpre reiteradamente seus deveres perante o condomínio”, pois está sempre cometendo infrações. Pode ser a mesma repetidamente, como o caso daquele que toda vez coloca o lixo fora do local adequado, que rotineiramente estaciona o carro fora da delimitação da vaga, ou que volta e meia toca instrumentos musicais em elevado som.

Também aplicável ao sujeito que comete faltas diferentes, como esclarece Pedro Avvad: “a reiteração pode ficar caracterizada, configurando a nova infração, pela prática insistente de faltas, não necessariamente da mesma natureza, mas que sejam, todas, passíveis de serem classificadas como violação dos deveres condominiais[2]”.

Já o condômino antissocial é aquele que por seu comportamento afrontoso gera incompatibilidade de convivência com os demais. Ou seja, não são infrações leves, incessantes pequenos desvios, são atos lesivos a tal ponto que torne impossível a convivência em comunidade.

É o que diz o § único do art. 1.337 CC: “O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.”

Penalidades pelo descumprimento dos deveres

O legislador separou um tipo de penalidade para cada tipo de desobediente – faltoso contumaz e condômino antissocial – e estabeleceu formas de aplicação distintas.

a) Nos casos de condômino faltoso contumaz (art. 1.337, caput, CC), somente a assembleia, com quórum de ¾, poderá aplicar sanção, independentemente de perdas e danos. E ainda assim, deverá observar “gravidade das faltas e a reiteração”, o que nos faz crer que não se pode aplicar a multa máxima de primeira – devendo ir aumentando na medida em que o comportamento indesejado se repita – duas cotas após a decisão da assembleia, três em caso de reincidência, quatro se fizer novamente, chegando ao limite de cinco.

O Superior Tribunal de Justiça e alguns tribunais estaduais têm precedentes reconhecendo a penalidade do art. 1.337 – multa de até cinco cotas condominiais – ao devedor habitual de cotas condominiais, equiparando-o ao condômino faltoso contumaz:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CONDOMINIAL. DEVEDOR DE COTAS CONDOMINIAIS ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS. CONDÔMINO NOCIVO OU ANTISSOCIAL. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NOS ARTS. 1336, § 1º, E 1.337, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CONDUTA REITERADA E CONTUMAZ QUANTO AO INADIMPLEMENTO DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com o art. 1.336, § 1º, do Código Civil, o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito. 2. O condômino que deixar de adimplir reiteradamente a importância devida a título de cotas condominiais poderá, desde que aprovada a sanção em assembleia por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos, ser obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração. 3. A aplicação da sanção com base no art. 1.337, caput, do Código Civil exige que o condômino seja devedor reiterado e contumaz em relação ao pagamento dos débitos condominiais, não bastando o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos. 4. A multa prevista no § 1º do art. 1.336 do CC/2002 detém natureza jurídica moratória, enquanto a penalidade pecuniária regulada pelo art. 1.337 tem caráter sancionatório, uma vez que, se for o caso, o condomínio pode exigir inclusive a apuração das perdas e danos. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1.247.020/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 11/11/2015)

“Despesas condominiais. Cumulação das multas previstas nos arts. 1.336, § 1.º, e 1.337, caput, do CC de 2002. Possibilidade. Não configuração debis in idem. Inadimplemento reiterado conforme critério definido pelos próprios condôminos e que não esvazia a previsão do art. 1.336, § 1.º. Apelo não provido” (TJSP, Apelação com Revisão 916995008, Rel. Juiz Luiz Felipe Nogueira, j. 29.11.2007).

“Processo civil e civil. Condomínio. Atrasos reiterados de pagamento das taxascondominiais. Aplicação de pena pecuniária. Art. 1.337 do Código Civil. Possibilidade. A multa moratória prevista no art. 1.336 do Código Civil diverge daquela prevista no art. 1.337 do aludido CODEX. Nesse sentido, o art. 1.337 do CC é mais amplo do que o § 2.º do art. 1.336, porque abrange todos os deveres do condômino perante o condomínio, previstos na Lei, convenção ou regimento interno, inclusive o inadimplemento do pagamento da contribuição condominial do inciso I. Observa-se, portanto, que o parágrafo único do art. 1.337 regula a aplicação de pena agravada, quando a conduta ilícita, além de grave e reiterada, não só de caráter antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos. Realizada a assembleia geral, com o quorum específico e, uma vez aprovada a aplicação da penalidade prevista no citado art. 1.337 do CC, respeitados os parâmetros ali expostos, a inobservância do pagamento regular das taxas condominiais enseja a aplicação da citada penalidade, sem que isso configure qualquer irregularidade ou afronta ao ordenamento civil. Recurso conhecido e provido” (TJDF, Recurso 2007.01.1.114280-3, Acórdão 429.193, Rel.ª Des.ª Ana Maria Duarte Amarante Brito, DJDFTE 25.06.2010, p. 111).

Discordamos e entendemos dupla penalidade, salvo se comprovada que a inadimplência não é por falta de recurso financeira, e sim como forma de tumultuar ou pressionar a administração para atender interesses do condômino.

b) Para o condômino antissocial, devido a gravidade, o legislador inverteu a ordem e tornou a punição pecuniária mais acessível, mesmo que ainda insuficiente e ilógica, conforme abordaremos a seguir quando tratarmos do tema da possibilidade ou não de exclusão. O síndico aplica a multa de até dez vezes o valor da cota e só depois convoca assembleia para deliberar.

Vale destacar que, em todas as assembleias acima mencionadas é garantido ao condômino o direito de ampla defesa e contraditório quando for deliberar sobre a aplicação da multa, em respeito ao art. 5º, LV, CF[3].

Nesse sentido é o Enunciado n. 92, do CJF: “As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo”. E o STJ e o TJRJ têm precedentes nesse posicionamento:

“Por se tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da visão civil-constitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação imediata dos princípios que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais que, também, deve incidir nas relações condominiais, para assegurar, na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório. Com efeito, buscando concretizar a dignidade da pessoa humana nas relações privadas, a Constituição Federal, como vértice axiológico de todo o ordenamento, irradiou a incidência dos direitos fundamentais também nas relações particulares, emprestando máximo efeito aos valores constitucionais. Precedentes do STF. Também foi a conclusão tirada das Jornadas de Direito Civil do CJF: En. 92: Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo” (STJ, REsp 1.365.279/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 29.09.2015).

Apelação cível. Multa aplicada ao condômino por conduta antissocial. Ausência de notificação prévia. Sanção que não pode ser aplicada sem que se garanta prévio direito de defesa ao condômino nocivo. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Precedentes do STJ e deste TJRJ. Anulação da multa que se mantém. Recurso a que se nega provimento. (TJRJ, Processo 004433803-2018.8.19.0203, Rel. Des. Benedicto Ultra Abicair, DJe: 26/10/2020)

Lamentavelmente, o legislador inovou praticamente no campo abstrato, pois condicionou a aplicação da multa à aprovação de ¾ dos condôminos em assembleia, o que, sabemos, é tarefa Hercúlea ou, nas palavras de Pedro Avvad, um “espantalho, sem a real intenção de punir severamente os infratores, porquanto a exigência de 75% (setenta e cinco por cento) dos condôminos restantes, significa, efetivamente, tornar inócua a penalidade pela quase simples impossibilidade de se pôr em prática a medida[4]”.

Possibilidade ou não de exclusão do condômino antissocial

Vale destacar que, em todas as assembleias acima mencionadas é garantido ao condômino o direito de ampla defesa e contraditório quando for deliberar sobre a aplicação da multa, em respeito ao art. 5º, LV, CF[3].

Nesse sentido é o Enunciado n. 92, do CJF: “As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo”. E o STJ e o TJRJ têm precedentes nesse posicionamento:

“Por se tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da visão civil-constitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação imediata dos princípios que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais que, também, deve incidir nas relações condominiais, para assegurar, na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório. Com efeito, buscando concretizar a dignidade da pessoa humana nas relações privadas, a Constituição Federal, como vértice axiológico de todo o ordenamento, irradiou a incidência dos direitos fundamentais também nas relações particulares, emprestando máximo efeito aos valores constitucionais. Precedentes do STF. Também foi a conclusão tirada das Jornadas de Direito Civil do CJF: En. 92: Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo” (STJ, REsp 1.365.279/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 29.09.2015).

Apelação cível. Multa aplicada ao condômino por conduta antissocial. Ausência de notificação prévia. Sanção que não pode ser aplicada sem que se garanta prévio direito de defesa ao condômino nocivo. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Precedentes do STJ e deste TJRJ. Anulação da multa que se mantém. Recurso a que se nega provimento. (TJRJ, Processo 004433803-2018.8.19.0203, Rel. Des. Benedicto Ultra Abicair, DJe: 26/10/2020)

Lamentavelmente, o legislador inovou praticamente no campo abstrato, pois condicionou a aplicação da multa à aprovação de ¾ dos condôminos em assembleia, o que, sabemos, é tarefa Hercúlea ou, nas palavras de Pedro Avvad, um “espantalho, sem a real intenção de punir severamente os infratores, porquanto a exigência de 75% (setenta e cinco por cento) dos condôminos restantes, significa, efetivamente, tornar inócua a penalidade pela quase simples impossibilidade de se pôr em prática a medida[4]”.

Possibilidade ou não de exclusão do condômino antissocial

Grande debate surge quanto a possibilidade de exclusão do condômino antissocial, pois o Código Civil não traz essa alternativa. Vale ressaltar que não se trata de perda da propriedade e sim de suspensão temporária do direito de uso, podendo ainda o condômino nocivo fruir, dispor e reivindicar sua propriedade.

Doutrina e jurisprudência se dividem. Flávio Tartuce é contra: “mesmo em casos graves (…), não se filia a tal corrente, por violar o princípio de proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, inc. III, da CF/1988) e a solidariedade social (art. 3.º, inc. I, da CF/1988); bem como a concreção da tutela da moradia (art. 6.º da CF/1988). Em suma, a tese da expulsão do condômino antissocial viola preceitos máximos de ordem pública, sendo alternativas viáveis as duras sanções pecuniárias previstas no art. 1.337 do CC/2002[5]”. Pugnam pelo mesmo entendimento Nelson Kojranski[6] e Renato Sandreschi Sartorelli[7]. Existem decisões nessa linha de pensamento:

Expulsão de condômino por comportamento antissocial. Impossibilidade. Ausência de previsão legal. O Código Civil permite no art. 1.337 a aplicação de multas que podem ser elevadas ao décuplo em caso de incompatibilidade de convivência com os demais condôminos. Multa mensal que tem como termo inicial a citação e o final a publicação da r. Sentença, a partir de quando somente será devida por fatos subsequentes que vierem a ocorrer e forem objeto de decisão em assembleia. Recursos parcialmente providos” (TJSP, Apelação Cível 668.403.4/6, Acórdão 4122049, Rel. Des. Maia da Cunha, DJESP 27.10.2009).

AÇÃO DE EXCLUSÃO DE CONDÔMINO ANTISSOCIAL. PROBLEMAS GRAVES DE CONVIVÊNCIA. CONVENÇÃO CONDOMINIAL. MULTA ADMINISTRATIVA. Honorários advocatícios. I – A convenção condominial autoriza a aplicação de multa administrativa para coibir problemas de convivência, que pode ser agravada por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, não havendo previsão de exclusão do condômino antissocial. O art. 1.334, inc. IV, do CC/02 estabelece que a convenção deve estipular as sanções a que se sujeitam os condôminos ou possuidores. (TJDF, Processo 0024662-05.2013.8.07.0001, Rel. Des. Vera Andrighi, Pub.: 03/06/2014)

Em sentido contrário, pugnando pela exclusão do condômino que torna o ambiente insuportável, André Abelha: “interpretação sistemática permite concluir que o legislador autorizou a assembleia a impor ao condômino ou possuidor antissocial as medidas necessárias para cessar o mau uso das partes comuns ou privativas, ainda que isso implique na restrição ao uso e/ou ao gozo das partes comuns ou privativas[8]”.

Marco Aurélio Bezerra de Melo é enfático na defesa da exclusão:

“Imaginemos uma situação em que o condômino abastado prefira pagar as multas arbitradas e continue realizando as suas festas madrugada adentro, praticando comércio que acarrete alto consumo de água e mantendo seus animais ferozes no interior do imóvel, entre outras práticas ainda mais condenáveis, como a exploração à prostituição ou o favorecimento do consumo de drogas ilícitas no condomínio. O que fazer? Saem os condôminos ordeiros e cumpridores de suas obrigações e fica reinando absoluto no edifício o arruaceiro, chalaceador, o intrigueiro, o egoísta, o bandido, o fascista, o traficante, o facínora, o mau-caráter, o insuportável? Pensamos que não[9]”.

Podemos destacar as decisões favoráveis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXCLUSÃO DE CONDÔMINO – CONDUTA ANTISSOCIAL DELE E DE SEUS FAMILIARES, QUE IMPEDE QUE CONTINUEM RESIDINDO NO CONDOMÍNIO – APLICAÇÃO REITERADA DE MULTAS, QUE SE MOSTROU INEFICAZ – AMEAÇAS E AGRESSÕES FÍSICAS E VERBAIS AOS DEMAIS MORADORES – ASSEMBLEIA GERAL COM APROVAÇÃO QUASE UNÂNIME DOS CONDÔMINOS ACERCA DA PROPOSITURA DA AÇÃO E DAS MEDIDAS A SEREM APLICADAS AO RÉU – Existência de inúmeros boletins de ocorrência feitos pelos outros moradores – Existência de ação de indenização proposta por um deles – Réu que é devedor contumaz das despesas condominiais, o que, embora seja objeto de ação própria, é indicativo de que também a regra da preservação do condomínio, por meio do pagamento das parcelas necessárias, não vem sendo cumprida – Decisão agravada que, depois do contraditório, deferiu tutela de urgência para proibir a entrada do requerido nas dependências do condomínio, concedendo a ele e seus familiares prazo para que se retirem do local – Decisão que fica mantida. Agravo de instrumento improvido. (TJSP, Processo 2100147-05.2020.8.26.0000 Rel. Des. Jayme Queiroz Lopes, DJe 23/02/2021)

Vale destacar que, em todas as assembleias acima mencionadas é garantido ao condômino o direito de ampla defesa e contraditório quando for deliberar sobre a aplicação da multa, em respeito ao art. 5º, LV, CF[3].

Nesse sentido é o Enunciado n. 92, do CJF: “As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo”. E o STJ e o TJRJ têm precedentes nesse posicionamento:

“Por se tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da visão civil-constitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação imediata dos princípios que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais que, também, deve incidir nas relações condominiais, para assegurar, na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório. Com efeito, buscando concretizar a dignidade da pessoa humana nas relações privadas, a Constituição Federal, como vértice axiológico de todo o ordenamento, irradiou a incidência dos direitos fundamentais também nas relações particulares, emprestando máximo efeito aos valores constitucionais. Precedentes do STF. Também foi a conclusão tirada das Jornadas de Direito Civil do CJF: En. 92: Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo” (STJ, REsp 1.365.279/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 29.09.2015).

Apelação cível. Multa aplicada ao condômino por conduta antissocial. Ausência de notificação prévia. Sanção que não pode ser aplicada sem que se garanta prévio direito de defesa ao condômino nocivo. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Precedentes do STJ e deste TJRJ. Anulação da multa que se mantém. Recurso a que se nega provimento. (TJRJ, Processo 004433803-2018.8.19.0203, Rel. Des. Benedicto Ultra Abicair, DJe: 26/10/2020)

Lamentavelmente, o legislador inovou praticamente no campo abstrato, pois condicionou a aplicação da multa à aprovação de ¾ dos condôminos em assembleia, o que, sabemos, é tarefa Hercúlea ou, nas palavras de Pedro Avvad, um “espantalho, sem a real intenção de punir severamente os infratores, porquanto a exigência de 75% (setenta e cinco por cento) dos condôminos restantes, significa, efetivamente, tornar inócua a penalidade pela quase simples impossibilidade de se pôr em prática a medida[4]”.

Possibilidade ou não de exclusão do condômino antissocial

Grande debate surge quanto a possibilidade de exclusão do condômino antissocial, pois o Código Civil não traz essa alternativa. Vale ressaltar que não se trata de perda da propriedade e sim de suspensão temporária do direito de uso, podendo ainda o condômino nocivo fruir, dispor e reivindicar sua propriedade.

Doutrina e jurisprudência se dividem. Flávio Tartuce é contra: “mesmo em casos graves (…), não se filia a tal corrente, por violar o princípio de proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, inc. III, da CF/1988) e a solidariedade social (art. 3.º, inc. I, da CF/1988); bem como a concreção da tutela da moradia (art. 6.º da CF/1988). Em suma, a tese da expulsão do condômino antissocial viola preceitos máximos de ordem pública, sendo alternativas viáveis as duras sanções pecuniárias previstas no art. 1.337 do CC/2002[5]”. Pugnam pelo mesmo entendimento Nelson Kojranski[6] e Renato Sandreschi Sartorelli[7]. Existem decisões nessa linha de pensamento:

Expulsão de condômino por comportamento antissocial. Impossibilidade. Ausência de previsão legal. O Código Civil permite no art. 1.337 a aplicação de multas que podem ser elevadas ao décuplo em caso de incompatibilidade de convivência com os demais condôminos. Multa mensal que tem como termo inicial a citação e o final a publicação da r. Sentença, a partir de quando somente será devida por fatos subsequentes que vierem a ocorrer e forem objeto de decisão em assembleia. Recursos parcialmente providos” (TJSP, Apelação Cível 668.403.4/6, Acórdão 4122049, Rel. Des. Maia da Cunha, DJESP 27.10.2009).

AÇÃO DE EXCLUSÃO DE CONDÔMINO ANTISSOCIAL. PROBLEMAS GRAVES DE CONVIVÊNCIA. CONVENÇÃO CONDOMINIAL. MULTA ADMINISTRATIVA. Honorários advocatícios. I – A convenção condominial autoriza a aplicação de multa administrativa para coibir problemas de convivência, que pode ser agravada por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, não havendo previsão de exclusão do condômino antissocial. O art. 1.334, inc. IV, do CC/02 estabelece que a convenção deve estipular as sanções a que se sujeitam os condôminos ou possuidores. (TJDF, Processo 0024662-05.2013.8.07.0001, Rel. Des. Vera Andrighi, Pub.: 03/06/2014)

Em sentido contrário, pugnando pela exclusão do condômino que torna o ambiente insuportável, André Abelha: “interpretação sistemática permite concluir que o legislador autorizou a assembleia a impor ao condômino ou possuidor antissocial as medidas necessárias para cessar o mau uso das partes comuns ou privativas, ainda que isso implique na restrição ao uso e/ou ao gozo das partes comuns ou privativas[8]”.

Marco Aurélio Bezerra de Melo é enfático na defesa da exclusão:

“Imaginemos uma situação em que o condômino abastado prefira pagar as multas arbitradas e continue realizando as suas festas madrugada adentro, praticando comércio que acarrete alto consumo de água e mantendo seus animais ferozes no interior do imóvel, entre outras práticas ainda mais condenáveis, como a exploração à prostituição ou o favorecimento do consumo de drogas ilícitas no condomínio. O que fazer? Saem os condôminos ordeiros e cumpridores de suas obrigações e fica reinando absoluto no edifício o arruaceiro, chalaceador, o intrigueiro, o egoísta, o bandido, o fascista, o traficante, o facínora, o mau-caráter, o insuportável? Pensamos que não[9]”.

Podemos destacar as decisões favoráveis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXCLUSÃO DE CONDÔMINO – CONDUTA ANTISSOCIAL DELE E DE SEUS FAMILIARES, QUE IMPEDE QUE CONTINUEM RESIDINDO NO CONDOMÍNIO – APLICAÇÃO REITERADA DE MULTAS, QUE SE MOSTROU INEFICAZ – AMEAÇAS E AGRESSÕES FÍSICAS E VERBAIS AOS DEMAIS MORADORES – ASSEMBLEIA GERAL COM APROVAÇÃO QUASE UNÂNIME DOS CONDÔMINOS ACERCA DA PROPOSITURA DA AÇÃO E DAS MEDIDAS A SEREM APLICADAS AO RÉU – Existência de inúmeros boletins de ocorrência feitos pelos outros moradores – Existência de ação de indenização proposta por um deles – Réu que é devedor contumaz das despesas condominiais, o que, embora seja objeto de ação própria, é indicativo de que também a regra da preservação do condomínio, por meio do pagamento das parcelas necessárias, não vem sendo cumprida – Decisão agravada que, depois do contraditório, deferiu tutela de urgência para proibir a entrada do requerido nas dependências do condomínio, concedendo a ele e seus familiares prazo para que se retirem do local – Decisão que fica mantida. Agravo de instrumento improvido. (TJSP, Processo 2100147-05.2020.8.26.0000 Rel. Des. Jayme Queiroz Lopes, DJe 23/02/2021)

CONDOMÍNIO CONDÔMINO ANTISSOCIAL EXCLUSÃO POSSIBILIDADE Requerida mantém grande acúmulo de sujeira em prédio de apartamentos Risco de incêndio SENTENÇA DE EXTINÇÃO, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil Sanções pecuniárias do art. 1.337 do Código Civil não esgotam as providências para fazer cessar a conduta ilícita do condômino Requerida utiliza da propriedade de maneira nociva aos demais condôminos Possibilidade de imposição de obrigação de não utilizar o imóvel RECURSO DO AUTOR PROVIDO, para julgar procedente a ação, vedando a Requerida de fazer uso direto do imóvel, com a desocupação em 60 dias (imóvel limpo e higienizado), sob pena de execução, arcando a Requerida com as custas e despesas processuais e honorários advocatícios dos patronos do Autor (fixados em R$ 7.000,00), além da multa de 1% do valor da causa (a que foi atribuído o valor de R$ 10.000,00) e de indenização de 20% do valor da causa, em decorrência da litigância de má-fé (TJSP, Processo 0003122-32.2010.8.26.0079, Rel. Des. Flavio Abramovici, DJ 28/08/2013)

APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO VERTICAL. PRELIMINAR. INTEMPESTIVIDADE.INOCORRÊNCIA. APELO INTERPOSTO ANTES DA DECISÃO DOS EMBARGOS. RATIFICAÇÃO.DESNECESSIDADE. EXCLUSÃO DE CONDÔMINO NOCIVO. LIMITAÇÃO DO DIREITO DE USO/HABITAÇÃO, TÃO-SOMENTE.POSSIBILIDADE, APÓS ESGOTADA A VIA ADMINISTRATIVA. Assembléia geral realizada. Notificações com oportunização do contraditório. Quorum mínimo respeitado (3/4 dos condôminos). Multa referente ao décuplo do valor do condomínio. Medida insuficiente. Conduta antissocial contumaz reiterada. Graves indícios de crimes contra a liberdade sexual, redução à condição análoga a de escravo. Condômino que aliciava candidatas a emprego de domésticas com salários acima do mercado, mantendo-as presas e incomunicáveis na unidade condominial. Alta rotatividade de funcionárias que, invariavelmente saiam do emprego noticiando maus tratos, agressões físicas e verbais, além de assédios sexuais entre outras acusações. Retenção de documentos. Escândalos reiterados dentro e fora do condomínio. Práticas que evoluiram para investida em moradora menor do condomínio, conduta antissocial inadmissível que impõe provimento jurisdicional efetivo. Cabimento. Cláusula geral. Função social da propriedade. Mitigação do direito de uso/habitação. Dano moral. Não conhecimento. Matéria não deduzida e tampouco apreciada. Honorários sucumbenciais fixados em R$ 6.000,00 (seis mil reais). Mantença. Peculiaridades do caso concreto. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJPR, AC – 957743-1, Rel. Des. Arquelau Araujo Ribas, J. 13.12.2012)

A nosso ver carece de sentido uma punição apenas pecuniária, pois incompatibilidade de convivência não se resolve com multa, e sim com afastamento de convivência. Basta pensar que um condômino poderia “comprar” o direito de molestar seus vizinhos, pagando todas as multas impostas, seria o alvará da perturbação. Ou pior, um condômino que vende ingressos para festas, insuportáveis aos ouvidos de seus pares condominiais, poderia colocar no custo do evento o valor da multa e obter lucro sobre o desespero alheio. A multa seria um estímulo.

O enunciado 508, CJF, também reconhece a possibilidade de afastamento:

“Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal”.

A ausência de previsão legal não é fundamento suficiente para a impedir a exclusão, eis que o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42) determina:

“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

E por analogia é possível aplicar o art. 57 CC que comanda pela exclusão do associado, desde que haja justa causa, garanta direito de defesa e recurso, na forma prevista no estatuto[10].

De igual modo o juiz pode excluir o antissocial com base no art. 497 CPC: “Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente”. E no caso de uma desordem insustentável, a providência para assegurar o direito à segurança, saúde, sossego dos condôminos e aos bons costumes no ambiente condominial é o distanciamento do desordeiro.

A nosso entender, em regra, exclusão definitiva é a última ratio, ou seja, só aplicável se a sanção pecuniária não se mostrar suficiente. Portanto, por cautela, deve primeiro o condomínio esgotar as sanções monetárias, antes de apelar para a exclusão, como no julgado abaixo:

Civil e Processual Civil. Apelação cível em ação de exclusão de condômino por conduta antissocial. Sentença de improcedência. Ausência de previsão legal para a sanção de exclusão de condômino que incorre em reiterado comportamento antissocial. Possibilidade reconhecida pela doutrina. Edição do enunciado 508 da V jornada de direito civil. Incidência do art. 1.337, parágrafo único, do código civil. Necessidade de prévia imposição de sanção pecuniária e de deliberação tomada em assembleia, observado, em qualquer caso, o direito de defesa. Não comprovação nos autos. Precedentes. Medida de expulsão inviável. Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido. – grifamos (TJRN, AC: 20170123290 RN, Rel. Luiz Alberto Dantas Filho, juiz Convocado, Julgamento: 12/02/2019)

CONDOMÍNIO EDILÍCIO. Apelação. Ação movida pelo condomínio, objetivando a expulsão de condômino que apresenta comportamento antissocial. Sentença de improcedência. Apelo do autor. Possibilidade jurídica do pedido. O direito de propriedade encontra limites no direito de vizinhança e deve observar a função social. Art. 1.337 e parágrafo único do Código Civil que não esgotam as medidas possíveis para fazer cessar o uso da propriedade que coloque em risco a segurança, o sossego ou a saúde dos vizinhos, cabível, em tese e em situações de extrema gravidade, a remoção judicial de condômino. Exclusão que constitui medida gravosa, possível somente em caso de condutas graves que tenham persistido mesmo após a aplicação de multas. Precedentes. Caso concreto em que não se vislumbra a reiteração das condutas graves praticadas pelo réu no passado. Gritos proferidos no interior da unidade autônoma do autor que não são prejudiciais ao ponto de restringir seu acesso à sua propriedade. Réu que cessa os barulhos quando sua mãe é acionada pela zeladoria. Improcedência do pedido de remoção do condômino antissocial. Sentença mantida. Eventual persistência de conduta antissocial que poderá dar ensejo a multa e a nova ação, para exame do cabimento da exclusão, à luz de fatos novos, o que fica ressalvado. – grifamos (TJSP, 1013115-73.2019.8.26.0562, Rel. Des. Carlos Dias Motta, Pub.: 07/04/2020)

O que se observa na prática é a grande dificuldade de carrear provas para caracterizar as transgressões, uma vez que é ônus do condomínio provar a conduta indevida do condômino. E a ausência ou fragilidade das provas pode levar ao insucesso na árdua missão de afastamento. E pior, pode ocasionar responsabilização do condomínio por ofensa a direitos da personalidade do condômino acusado.

Condomínio. Aplicação de multa por suposta infração. Comunicação à proprietária que um dos moradores fazia sexo em área comum. Câmera de vigilância interna e relato de funcionário que não deixam dúvida sobre a inexistência de ato contrário à moral e os bons costumes. Anulação da multa que não modifica o ilícito. Ofensa à dignidade a todos os moradores da unidade locada, pois não houve a identificação do suposto infrator. Dano moral existente. Indenização fixada em R$ 4.000,00 para cada um dos moradores, totalizando R$ 20.000,00. Excessividade. Diminuição da indenização para R$ 2.000,00 para cada um dos cinco moradores que mostra-se adequada ao caso concreto. (TJSP, Processo nº 1011243-46.2018.8.26.0016, Rel. Des. Renato de Abreu Perine, publ.: 26/01/2021)

Contudo, excepcionalmente, diante da gravidade e urgência dos fatos, risco de vida, integridade emocional e/ou física, etc., assentimos que se faça a retirada provisória, através de tutela antecipada, dispensando formalidade (assembleia, quórum, multas reiteradas, etc.) e, posteriormente, se avalie, por perícia, a necessidade de afastamento por mais tempo ou até mesmo o retorno – se não configurado o perigo.

Importante sublinhar que a exigência legal de quórum de ¾ e de assembleia possibilitando ampla defesa e contraditório do suposto condômino infrator é para protegê-lo de abusos da coletividade, ou seja, é norma protetiva. Porém, se o antissociável causa riscos a integridade física, psicológica ou principalmente a vida dos demais, compete ao Estado proteger a coletividade e abrandar as garantias.

A multa é ineficaz nesses casos extremos, haja vista que o não pagamento não surte efeito a curto prazo mantendo os condôminos, funcionários, entregadores e demais pessoas e transitam pelo condomínio em estado de vulnerabilidade.

Importante ressaltar que nosso ordenamento jurídico não prevê punições perpétuas, o que significa que nenhuma exclusão do ambiente condominial será eterna, durará o tempo necessário para que a incompatibilidade cesse. Essa avaliação poderá ser feita por expert, conforme o caso.

[1] Condomínio, Ed. Revista dos Tribunais, 10ª edição, p. 172/173.

[2] Condomínio em edificações no Novo Código Civil, Ed. Renovar, 2ª edição, p. 108.

[3] CF, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; – grifamos.

[4] Condomínio em edificações no Novo Código Civil, Ed. Renovar, 2ª edição, p. 110.

[5] Direito Civil, Direito das Coisas, Vol. 5, Ed. Forense, 14ª ed., p. 559/560.

[6] Condomínio Edilício, p. 160, citado por Rubens Carmo Elias Filho, em, Condomínio Edilício, Aspectos de Direito Material e Processual, Ed. Atlas, p. 159.

[7] A exclusão do condômino nocivo perante a legislação de condomínio, in, Condomínio Edilício: Aspectos Relevantes do Novo Código Civil, p. 233, citado por Rubens Carmo Elias Filho, em, Condomínio Edilício, Aspectos de Direito Material e Processual, Ed. Atlas, p. 159.

[8] Abuso do direito no condomínio edilício, Ed. Sérgio Antônio Fabris Editor, p. 156.

[9] Código Civil Comentado Doutrina e Jurisprudência, Ed. Forense, livro digital, p. 958.

[10] CC, art. 57: A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto.

Escrito por Luis Arechavala
Advogado do Escritório Arechavala Advogados